Garan no Dou

Casa da falecida Ryougi Shiki. No último ano e meio passa a impressão de ter se tornado ainda mais maligna.

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... Não era desta forma que Azaka se lembrava da casa onde passou tanto tempo. Lembrava-se de ter sua atmosfera lúgubre, sim, mas não a esta altura, ponto que parecia poluir o céu e a floresta ao seu redor, cada vez mais intensa. Haveria Shiki transformado ela antes, ou era apenas efeito negro da sua nostalgia? Algo havia mudado, e ela não sabia se era a própria casa ou ela.

Chegamos, nya. - constatou, infeliz.

-Tens a certeza que queres fazer isto? - perguntou Jojo ao chegar com Azaka ao sitio, vendo como ela parecia infeliz.

Tenho. É a única forma de a exorcizar. Venha, nya.

... A chave pelo menos ainda encaixava na porta. Com a respiração pesada, do fundo de sua alma, a jovem familiar abriu e seguiu em frente, entrando em contado com o carpete empoeirado, que não fora pisado em meses. Nenhuma marca de pegadas. Shiki também não havia entrado neste tempo, então? Mas sua presença parecia até tangível, sentida não no corpo, mas na alma dos visitantes. Pareciam vê-la, até, uma massa negra de borboletas... Não, cruéis mariposas. Azaka prosseguiu.

Subiu até um quarto superior, um que há tempos fora usado para evocar Hades. O aroma daquela energia ainda residia no ar, demasiado familiar ao que haviam sentido em Konoha. Sim, era igual. Prosseguiu mais, passo duro a passo duro, notando as estranhas manchas de sangue seco que ainda se sobressaiam no solo, sangue derramado para ritual.

Numa mesa, no extremo do quarto, repousava um vidro estranho, afogado em verde líquido de conserva. Flutuando no centro do recipiente, a cabeça decomposta de um Chtulhi, sua expressão corrompida de crosta e necrólise escura. Dentro de sua face, vermes simulavam animação. Afinal, o vidro estava aberto. Azaka fechou o recipiente e o colocou em mãos, extremamente leve. Levaria o crânio de monstro como recordação.

O que achas? Acho que se me tornasse numa familiar de mago insano, seria bom decoração. Ou mesmo para colecionar, abrir um museu, nya. Não tem qualquer efeito na minha psiquê, nya. - disse para Jojo.

-Espera um segundo, porque raio a Shiki tinha a cabeça de um daqueles homens molusco?

A casa era arrepiante, talvez muito devido ao simples valor acrescentado de estar abandonada devido à antiga dona serial killer ter falecido. Claro que a cereja em cima do bolo que era aquele cenário de filme eram aqueles restos de uma espécie de ritual que aparentemente envolveu a cabeça de um Cthulhi - *sigh* esquece, às vezes esqueço-me que existe gente para tudo..

Ryougi Shiki era uma pessoa para todas as coisas, nya. Depois que ela decapitou ele, decidiu levar de souvenir. E acho que agora eu que vou levar, nya. É macabro, sim, mas não chega a ser perturbador, nya... Há pessoas que colecionam aranhas, baratas, ratos, mariposas, pedaços de carne humana... - contou Azaka, não muito infeliz. Parecia estar levando melhor do que quando estava em Konoha, mas talvez fosse pela familiaridade com a casa, a sensação de abrigo. Mesmo que este abrigo fosse ser destruído.

Andou para outro quarto. Ali estava, a jaqueta vermelha que Shiki quase sempre usava, até este ano e meio em que reapareceu. Olhou dentro dos armários. Ali estava a roupa de Rainha dos Gatos, o capuz negro, e a fantasia de coelho gigante. Pegou cada uma delas e jogou encima da cama. Colocou o recipiente de Chtulhi na janela fechada, e fitou cada peça de figurino.

-Ela tinha um sentido de "fashion" peculiar - comentou Jojo ao reparar nas roupas - e na mesma parece desnecessariamente creepy levar uma cabeça fétida de uma raça alianigena antiga... por esta altura aquilo deve estar cheio de sida suficiente para matar uma pessoa em 3 segundos.

-Tens a certeza? - talvez seria demasiado precipitado queimar a casa, mas por outro lado, sempre era uma forma de apagar mais uma pegada de Ryougi Shiki, pensou Jousuke.

-Bem... penso que convem irmos buscar gasolina ou assim - comentou por fim o rapaz.

Mas tu próprio não consegue queimar com suas habilidades, nya? - perguntou Azaka. - É mais rápido, e de qualquer forma a casa é minha, nya.

-Apenas pensei que fosse mais rápido com gasolina - dizia Jojo enquanto tirava das paredes algumas farpas de madeira - Vá te afastando...

Então, carregou aquelas farpas com umas faiscas vermelhas, atirando-as depois apra o chão, o que começou um fogo que ia lentamente alastrar-se enquanto Jojo saia da casa.

-É o meu estilo não costuma ser muito do género de area-of-effect, mas há de servir...

Há.

... Azaka esperou. Enquanto Josuke já se retirava, ela ficou para trás, assistindo. Assistindo ao quê? A corrupção de cenário tão maldito por fogo, quase uma redenção e purificação daquela terra? Os tons marrons e mortos sendo intensificados por luminosa vida, para logo se virem em negro? Não sabia, mas ela assistiu, desde as roupas até a cabeça de Chtulhi.

E ali ficou, até a primeira tosse da fumaça negra. Era hora de sair.

Retirou-se tossindo, mas nada de grave. Olhou para trás, e assistiu arder. Assistiu com o entusiasmo de quem via uma peça de teatro, completamente artificial mas ainda assim tão próxima, tão palpável. Para ela, conforme o mundo girava, sua figura largava de ser uma pessoa e era inserida num contexto mais místico, épico. O incêndio assim lhe parecia. Conforme se alastrava, o mundo parecia um palco, Kokutou Azaka um símbolo, a vida um romance.

... Serei eternamente grata pela luz que me estendeste, Josuke-kun. - confessou para o rapaz, e lágrimas vertiam de seus grandes e expressivos olhos azuis, caindo pela face enquanto sorria. Era, enfim, um indivíduo. O vazio de sua existência era preenchido pelo calor que emanava, e, mais do que isso, do ritual que limpava aquele solo e suas memórias.

A rapariga estava feliz com os fogos de artifício, e Jojo sentia que a tinha tocado e ajudado de alguma forma.


-Não tens de quê, Azaka-chan - dizia o rapaz enquanto abraçava a rapariga, olhando para o fogo perante ele, que envolvia já a casa toda. Às vezes era preciso simplesmente destruir o passado... Jojo percebia isto, pois tinha os seus poderes com os quais tinha nascido, com os quais podia negar o passado e começar de novo. Sentia que era isso que tinha feito com Azaka.

Azaka se permitiu ser abraçada, sem se mover, apenas apreciando o momento. A jovem espiou mais uma vez as chamas, nítidas ainda sob seus olhos lacrimosos. Sentiu um aperto no peito ao tatear o próprio corpo e achar algo esguio, gélido. Puxou. Era a Wind Breaker, de Ryougi Shiki, a lâmina dos ventos.

Nunca reparara naquela arma com exatidão, mas percebera que o formato da própria arma era, de certa forma, maligno. Era curva e traiçoeira, faca não para cortar mas sim para apunhalar. Suas cores escuras de jade também não contribuíam para sua redenção, e ela permanecia brilhando, quase chamativa, diante dos olhos da gata.

Ergueu a mão, sem nunca afastar o abraço que Josuke lhe oferecera. A lâmina traidora permaneceu em suas mãos, em aguardo de ser lançada às chamas e destruída.

-Era essa a arma dela? - perguntou Jojo, se bem que no fundo já sabia a resposta. Aquela parecia mesmo uma arma maldita.
Levou a mão a ela, apreciando-a. Tinha uma certa beleza na sua construção, mas provavelmente Jojo não iria conseguir contar com as suas mãos quantas vidas aquela lâmina tinha roubado - parece um bocado chato desperdiçar algo tão bem feito... mas de qualquer das formas já chegamos longe ao queimar uma casa...

Foi feita pelo Alibaba-san. Penso que deveria guardar... Mesmo que seja só para honrar a obra dele. - decidiu, no final, guardando mais uma vez a arma maldita. Uma vez que a declarou como obra do Saluja, pareceu menos sombria e cruel.

-Ah, entāo aquele loirinho com sotaque de nortenho é Blacksmith?

Jojo já largava Azaka aos poucos. Não tarda seria altura de voltar.

Sim, nya. Ele é extremamente habilidoso... Acho que é o melhor de sua era, nya. - comentou, ao observar as chamas vingativas a consumir o mausoléu. Apercebeu-se que Josuke lhe largava, e este era o seu sinal para partirem. Sem pestanejar, a jovem virou-se e prosseguiu, sem nunca olhar para trás.

-Hum... com o estilinho dele nunca pensaria que ele fazia utensilios de matar...

E com isto Jousuke partiu daquele sitio seguindo Azaka. Agora que a via partir daquele sitio nojento, sentia que ela tinha um novo brilho em si - (que raio estou praqui a pensar?) - interrompeu Jojo ao achar que já estava a ser emocional demais nos seus pensamentos.